Faça de conta...



Se o dia amanheceu nublado
e acabrunharam os sonhos da noite anterior,
faça de conta que o sol
saiu do céu para habitar o seu peito.
Não olhe para fora, veja-se por dentro.

Se não lhe foi dado o merecido
ou se seu valor não foi por outro reconhecido,
tente outra vez, grite mais alto,
apenas para você,
pois é de pouca importância o aplauso.
O que conta realmente
é a convicção dos seus próprios valores,
é a média ponderada na sua visão das cores,
é o seu conceito do certo ou errado,
do melhor ou pior,
do feio ou bonito,
do que se vai e do que persiste.
Faça de conta que aplauso não existe.

Se, no amor, a sorte não lhe sorriu,
não some, aos velhos, os novos dissabores.
Que lhe dê alegria o fato de ter amado
pois, a corresponder-lhe, ninguém é obrigado.
Não diga ao mundo, em defesa própria,
que ninguém vai amar
mais ou melhor que você.
Os efeitos do seu amor
só tem tamanho no peito amado.
Ali ele pode ter sido desvalorizado.
Aceite e faça de conta que amou errado.

E que esse "faz de conta"
não alongue demais as suas asas
pois fértil é o chão quando é escolhido,
reconhecido e cultivado.
Azedo é o limão
para quem gosta de sorvê-lo
sem ser adoçado.
Quando não tem jeito,
faça de conta...

Cleide Canton

Aquela Estrela




Certa vez, em noite clara,
escolhi, do céu, uma estrela 
para ser aquela...
Aquela ouvideira
que os desejos escolhem
e compartilham momentos.
Aquela parceira
que brilha num sorriso
e seca lágrimas de desencantos.
Aquela fonte
de luz e beleza
que se deitou nos meus anseios,
dançou nas minhas alegrias,
saltitou nos focos da minha visão
e adormeceu tranquila nos meus cantos.
Por uma noite apenas 
eu dela me esqueci.
Foi o bastante 
para que ela se escondesse.
Busquei-a em todos os cantos do céu
e em todos os rastros de lz;
Conto u-me o vento 
que a vira afogando-se
no mar das minhas lágrimas.
Desde então eu a espero 
certa de que surgirá,
mesmo sem brilho,
numa onda qualquer.
Nem mais uma lágrima verá...
Apenas saberá do que perdeu
nos versos que deixei
nas areias das praias
por onde andei.
Morto o sonho,
leva consigo o sonhador.

Cleide Canton

Mandão


O coração humano
é um orgão pequenino, que atrevido e valente,
faz o que quer e manda na gente.


Suely Ribella

Quando Venta...


Quando Venta


Com atenção ouve a canção
que o vento quer te mostrar,
se for de tristeza, não desespera,
te aquieta e espera.


O vento passa, a tristeza também.
Se for de alegria, com ele assobia,
fazendo um dueto, bela poesia...




Suely Ribella

Nu


Quando estás vestida,
Ninguém imagina 
Sob as tuas roupas. 

(Assim, quando é dia, 
Não temos noção 
Dos astros que luzem 
No profundo céu. 

Mas a noite é nua, 
E, nua na noite, 
Palpitam teus mundos 
E os mundos da noite. 

Brilham teus joelhos, 
Brilha o teu umbigo, 
Brilha toda a tua 
Lira abdominal. 

- Como na rijeza 
Do tronco robusto 
Dois frutos pequenos - 

Teus duros mamilos! 
Ah, tuas espáduas! 

Se nua, teus olhos 
Ficam nus também: 
Teu olhar, mais longe, 

Então, dentro deles, 
Bóio, nado, salto 
Baixo num mergulho 
Perpendicular. 

Baixo até o mais fundo 
De teu ser, lá onde 
Me sorri tu'alma 
Nua, nua, nua...

(Manuel Bandeira)

Enquanto a chuva cai...


A chuva cai. O ar fica mole . . .
Indistinto . . . ambarino . . . gris . . .
E no monótono matiz
Da névoa enovelada bole
A folhagem como o bailar.

Torvelinhai, torrentes do ar!

Cantai, ó bátega chorosa,
As velhas árias funerais.
Minh'alma sofre e sonha e goza
À cantilena dos beirais.

Meu coração está sedento
De tão ardido pelo pranto.
Dai um brando acompanhamento
À canção do meu desencanto.

Volúpia dos abandonados . . .
Dos sós . . . — ouvir a água escorrer,
Lavando o tédio dos telhados
Que se sentem envelhecer . . .

Ó caro ruído embalador,
Terno como a canção das amas!
Canta as baladas que mais amas, 
Para embalar a minha dor!

A chuva cai. A chuva aumenta.
Cai, benfazeja, a bom cair!
Contenta as árvores! Contenta
As sementes que vão abrir!

Eu te bendigo, água que inundas!
Ó água amiga das raízes,
Que na mudez das terras fundas
Às vezes são tão infelizes!

E eu te amo! Quer quando fustigas
Ao sopro mau dos vendavais
As grandes árvores antigas, 
Quer quando mansamente cais.

É que na tua voz selvagem,
Voz de cortante, álgida mágoa,
Aprendi na cidade a ouvir
Como um eco que vem na aragem
A estrugir, rugir e mugir,
O lamento das quedas-d'água!

(Manuel Bandeira)

O Último poema...





Assim eu quereria o meu último poema.
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

_______________________________________________________________

Aceitar o castigo imerecido
não por fraqueza, mas por altivez.
no tormento mais fundo o teu gemido 
trocar num grito de ódio a que o fez.
As delícias da carne e pensamento
com que o instinto da espécie nos engana,
sob por ao generoso sentimento
de uma afeição mais simplesmente humana.
Não tremer de esperança e nem de espanto.
Nada pedir nem desejar senão a coragem
De ser um novo santo. sem fé num mundo além do mundo.
E então morrer sem uma lágrima que a vida 
Não vale a pena e a dor de ser vivida.


(Manuel Bandeira)

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